São Leão MAGNO
O sermão que transcrevemos, de autoria de São Leão Magno,
refere-se à quaresma, “época do ano, quando
nossos pérfidos inimigos redobram também a astúcia de suas manobras”, como diz o Santo. No entanto, entendemos oportuna
sua publicação, sobretudo nesses tempos de resfriamento, quando não de abandono
da vida espiritual decorrente do avanço, parece já evidente, sobre as nações do
mysterium iniquitatis de que fala São
Paulo na II Epístola aos Tessalonicenses.
Há muitas batalhas dentro de nós:
a carne contra o espírito, o espírito contra a carne. Se, na luta, são os
desejos que prevalecem, o espírito será vergonhosamente rebaixado de sua
dignidade própria e isto será uma grande infelicidade, de rei que deveria ser,
torna-se escravo. Se, ao contrário, o espírito se submete ao seu Senhor, põe
sua alegria naquilo que vem do céu, despreza os atrativos das volúpias
terrestres e impede o pecado de reinar sobre o seu corpo mortal, a razão
manterá o cetro que é devido de pleno direito, nenhuma ilusão dos maus
espíritos poderá derrubar seus muros; porque o homem só tem paz verdadeira e a
verdadeira liberdade quando a carne é regida pelo espírito, seu juiz, e o
espírito governado por Deus, seu mestre. É, sem dúvida, uma preparação que deve
ser feita em todos os tempos: impedir, por uma vigilância constante, a
aproximação dos espertísimos inimigos.
[...]
Então preparemos nossa alma para
o combate das tentações e saibamos que quanto mais zelosos formos por nossa
salvação, mais violentamente seremos atacados por nossos adversários. Mas
aquele que habita em nós é mais forte que aquele que está contra nós. Nossa
força vem d’Aquele em que pomos nossa confiança. Pois se o Senhor se deixou
tentar pelo tentador foi para que tivéssemos com a força de seu socorro o
ensinamento de seu exemplo. Acabas-te de ouvi-lo. Ele venceu seu adversário com
as palavras da lei, não pelo poder de sua força: a honra devida a sua
humanidade será maior, maior também a punição de seu adversário se Ele triunfa sobre
o inimigo do gênero humano não como Deus, mas como homem. Assim, Ele combateu
para que combatêssemos como Ele; Ele venceu para que também nós vencêssemos da
mesma forma. Pois, meus caríssimos irmãos, não há atos de virtude sem uma
batalha. A vida se passa no meio das emboscadas, no meio dos combates. Se não
quisermos ser surpreendidos, é preciso vigiar; se quisermos vencer, é preciso
lutar. Eis porque Salomão, que era sábio, diz: Meu filho, quando entras para o
serviço do Senhor, prepara a tua alma para a tentação (Eclo. 2,1). Cheio da
sabedoria de Deus, sabia que não há fervor sem combate laborioso; prevendo o
perigo desses combates, anunciou-os de antemão para que, advertidos dos ataques
do tentador, estivéssemos preparados para aparar seus golpes.
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