Porque sou Cristão?
Porque tenho fome de um Deus que
não seja nem pura treva, nem eu mesmo, de um Ser que, embora intimamente
parecido comigo, seja também tudo o que me falta.
Porque neste mundo quero abençoar
tudo, sem nada divinizar.
Porque quero conservar ao mesmo
tempo o olhar claro e o coração em chama.
Porque sinto que a aventura
humana se dirige a algo diferente e melhor do que um desespero sem conteúdo, do
que uma interrogação sem resposta, do que uma inércia vazia de sentido.
Porque quero conciliar a
imensidade de amor que há em mim, com o desencanto tantas vezes provocado pela
presença do homem.
Porque preciso de luz no
mistério, e de mistério, na luz.
Porque quero ter, não só a força
de construir e de viver, mas também a outra, que a transcende, de esperar, mesmo
no desmoronamento e na morte.
Mas, se espero tudo, se creio
tudo, como diz São Paulo, será apenas para tornar a vida mais suportável e para
ser consolado? Sim. Também destas pequeninas necessidades pessoais se trata,
quando nos sentimos ligados a todo o universo, responsáveis por todo o
universo!
Na verdade, é a minha paixão do
mundo que me faz cristão. É o meu respeito e a minha gratidão para com este
destino que me sustenta e que se não identifica comigo.
Não me amo bastante, para
escolher no céu um Deus conforme os meus desejos, mas amo bastante a vida, para
não a julgar infinitamente bela, plena e justa, para não a confundir
radicalmente com o Deus dos cristãos.
É como se vê, a transposição da
aposta pascaliana, do sujeito para o objeto.
Fonte: "A escada de
Jacob", Editorial Aster, Colecção Éfeso
Fundamento vital da liberdade
Paradoxo curioso: quanto mais
enfadonhos e vazios são os "prazeres" que obtemos do pecado (e penso
aqui de modo especial na luxúria), menos sabemos resistir às nossas paixões;
quanto mais no desilude o nosso ídolo, mais fatal é a nossa escravidão. Mas
isso só aparentemente é para admirar. O homem de prazeres mortos é demasiado
pobre para ser livre. A sua vontade já não encontra, nos recursos amortecidos
da sua vitalidade, o ponto de apoio, o tensor material indispensáveis para o
seu exercício. A mesma ausência de tonalidade afetiva que faz incolores os seus
prazeres, torna irresistíveis os seus impulsos. Aquele que julga pecar
"fatalmente" (excetuo certos casos, hoje raríssimos de êxtase
sexual), peca por ninharias. Um pecado verdadeiramente saboroso só pode ser um
pecado profundamente escolhido. Este esfacelamento progressivo da
voluptuosidade e da liberdade é, porém, a consequência normal da mecanização da
humanidade. Também uma máquina é tão incapaz de escolher os seus movimentos
como de neles experimentar prazer...
Fonte: “O pão de cada dia”,
Editorial Aster, Colecção Éfeso.
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