Transcrevemos aqui a Introdução do livro “Projeto de Código Penal ‘Código de morte’ prestes a desabar sobre a
cabeça dos brasileiros” (São Paulo: IPCO, 2013, p. 9-12), do ilustre Procurador de
Justiça do Estado de Santa Catarina, Dr. Gilberto CALLADO DE OLIVEIRA. O autor é Doutor em
Filosofia do Direito pela Universidade de Navarra (Espanha) e pós-doutor em
política jurídica (1994 e 2000) e filosofia penal (2007), professor da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI) e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. É de sua lavra a substanciosa obra A verdadeira face do
Direito Alternativo (Curitiba: Juruá, 1995, com prefácio do insigne jurista
paranaense René Ariel Dotti) e o atualíssimo Garantismo e Barbárie: a face
oculta do garantismo penal (São Paulo: Conceito, 2011).
Na
história da legislação penal brasileira, após entrar em vigor o atual Código
Penal, em 1 de janeiro de 1942, alguns anteprojetos da parte especial de um
novo código foram elaborados para a dificílima empresa de incorporar um
coerente sistema codificado. Destacam-se os anteprojetos de Nelson Hungria
(1969), Luiz Vicente Cernicchiario (1984) e Evandro Lins e Silva (1999), todos
colocados nos escaninhos do tempo.
Em 2011,
através do Requerimento n. 756, o Senador Pedro Taques solicitou a constituição
de uma Comissão de Juristas com a finalidade de “elaborar projeto de Código
Penal adequado aos ditames da Constituição de 1988 e às novas exigências de uma
sociedade complexa e de risco”.
Formada a
Comissão, em 18 de outubro de 2011, os trabalhos foram concluídos no curto
período de oito meses, e o relatório final do anteprojeto entregue ao
Presidente do Senado Federal, em 18 de junho de 2012, transformado depois no
Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012. Fixou-se então exíguo calendário de
tramitação, com conclusão determinada para os cinco dias úteis de 28/09 a
04/10/2012.
Quanto à
forma, muitos dos seus 543 artigos ofendem a boa técnica legislativa. As normas
orientadoras da parte geral contêm uma linguagem excessivamente abstrata e
recheada de imprecisões sobre diversos institutos aplicáveis aos delitos, que
em nada favorece o exercício exegético e a segurança jurídica. Na parte
especial, a falta de clareza e de precisão predomina em muitas qualificações de
condutas delitivas, além da vulgaridade que substitui a tradicional redação em
alguns crimes sexuais.
À exceção
de algumas audiências públicas, frequentadas notadamente por grupos de pressão
– v.g. organizações de defesa dos animais e da Associação Brasileira de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) –, a redação do
anteprojeto não se submeteu à exaustiva análise de diversos segmentos da
sociedade, nem muito menos da comunidade jurídica especializada, da voz
abalizada de magistrados, de membros do Ministério Público, de advogados, de professores,
de autoridades e agentes policiais. Preteriu-se até mesmo o trabalho revisional
de festejados penalistas, como o fizeram, em sua época, Nelson Hungria,
Narcélio de Queiroz e Roberto Lira, revisores do projeto de Alcântara Machado,
convertido depois no atual Código Penal. Não se deram ouvidos ao magistério da
Igreja. Não se abriu o caderno de sugestões no prudente período de tempo para o
amadurecimento de opiniões, dos estudos, das pesquisas e até mesmo de um
plebiscito para questões vitais a milhões de brasileiros. Nem se invocou a
proteção de Deus, como o fez o preâmbulo da Constituição Federal.
Também
por isso, quanto ao mérito, o Anteprojeto de Reforma do Código Penal atenta
gravemente, contra os mandamentos da Lei de Deus e, numa ousadia perversa,
subverte a ordem hierárquica da criação, deixando de punir assassinatos
abomináveis.
De fato,
muitos dos artigos apresentados no Relatório Final destacam-se pela profunda
falta de proporcionalidade entre crimes e penas, entre a proteção de alguns
bens e a de outros, entre o que deve ser proibido e o que deve ser permitido,
embora não seja esta a finalidade das normas penais senão os efeitos jurídicos
que elas visam produzir por causa de sua desobediência.
Concretamente,
a tipificação e a reprovação de crimes contra a pessoa e contra interesses de
grupos específicos produziram verdadeiros absurdos. O crime de aborto está
praticamente abolido, restando apenas a hipótese de não consentimento da
gestante, efetivamente passível de punição; o crime de homicídio doloso através
da eutanásia livrou-se da sanção penal sob a rubrica antinômica da piedade e o
de infanticídio perdeu sua importância e gravidade a ponto de se transformar em
uma banalidade, como a simples suspensão do processo. Também foram tratados com
excessiva brandura outros crimes contra a pessoa, enquanto crimes contra a
fauna e a flora receberam descomunal reprovação. Tomem-se, por exemplo, os
crimes de omissão de socorro de criança abandonada ou de lesões corporais, cuja
pena mínima é doze vezes inferior (um mês de prisão) à do crime de omissão de
socorro de qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo (um ano de
prisão). Outros absurdos, ademais, são encontrados no corpo de normas do
malsinado Projeto de Lei.
Os
brasileiros certamente ficaram estupefatos diante dessa barbárie penal, e
sentir-se-ão inseguros pela facilidade com que se manipula ideologicamente o
direito à vida. Vale aqui lembrar a séria advertência de José Antônio Ureta:
“Quando o direito à vida de um único ser humano inocente deixa de ser
garantido, a vida de todos passa a correr risco. Basta ficar incluído na
categoria errada” (Revista Catolicismo, n. 698, fevereiro de 2009, p. 34).
Uma
pergunta logo se impõe diante de tantos absurdos: como se explica que uma
classe de intelectuais, na posição de juristas, tenha se dedicado, de maneira
irracional, à construção de diferentes tipos penais carregados de fórmulas
materialistas ou imanentistas? Não é difícil encontrar a resposta: os membros
da Comissão de Revisão simplesmente redigiram um “código de morte” como atitude
ideológica profundamente marcada pelas recomendações governamentais do Plano
Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Suas injustificáveis despenalizações e
descriminalizações de condutas violadoras de direitos fundamentais dão mostras
inequívocas de que não há limites para o processo de transformação da
sociedade, e o sistema punitivo parece ser o caminho ideal para isso. Julgam
eles que as questões mais agudas do problema da criminalidade podem ser
resolvidas com normas compassivas e utópicas, mesmo que, no fundo,
potencializam a maldade e a indiferença com o dom sagrado da vida humana.
A
responsabilidade dos nossos parlamentares, ante essa investida revolucionária,
só pode ser a de rechaçar todas as propostas incompatíveis com os verdadeiros
anseios da sociedade brasileira, historicamente tradicionalista, cristã,
defensora dos direitos naturais que lhe são mais caros, tais como a vida, a
família, a propriedade, a educação dos filhos, a segurança, a saúde etc. Não poderão
os nossos legisladores aprovar um Código que fere de morte a Carta
Constitucional e suas regras principiológicas protetoras daqueles direitos. Se
a legislação penal constitui hoje uma profusa e complexa pletora de normas
punitivas, considerada uma verdadeira “colcha de retalhos”, está ela prestes a
receber um novo e definitivo remendo, que trará ainda mais insegurança e
intranqüilidade no seio da população brasileira.
Peçamos à Padroeira e Rainha do Brasil, Nossa
Senhora Aparecida, que livre o nosso país de um código penal insano e
permissivo do mal do aborto e de outras práticas atentatórias contra os
direitos naturais de seus filhos, para a sua maior glória e para um futuro de
paz no Brasil.
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