domingo, 9 de junho de 2013

PROJETO DE CÓDIGO PENAL “CÓDIGO DE MORTE PRESTES A DESABAR SOBRE A CABEÇA DOS BRASILEIROS”

Transcrevemos aqui a Introdução do livro “Projeto de Código Penal ‘Código de morte’ prestes a desabar sobre a cabeça dos brasileiros” (São Paulo: IPCO, 2013, p. 9-12), do ilustre Procurador de Justiça do Estado de Santa Catarina, Dr. Gilberto CALLADO DE OLIVEIRA. O autor é Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Navarra (Espanha) e pós-doutor em política jurídica (1994 e 2000) e filosofia penal (2007), professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. É de sua lavra a substanciosa obra A verdadeira face do Direito Alternativo (Curitiba: Juruá, 1995, com prefácio do insigne jurista paranaense René Ariel Dotti) e o atualíssimo Garantismo e Barbárie: a face oculta do garantismo penal (São Paulo: Conceito, 2011).

 Na história da legislação penal brasileira, após entrar em vigor o atual Código Penal, em 1 de janeiro de 1942, alguns anteprojetos da parte especial de um novo código foram elaborados para a dificílima empresa de incorporar um coerente sistema codificado. Destacam-se os anteprojetos de Nelson Hungria (1969), Luiz Vicente Cernicchiario (1984) e Evandro Lins e Silva (1999), todos colocados nos escaninhos do tempo.
Em 2011, através do Requerimento n. 756, o Senador Pedro Taques solicitou a constituição de uma Comissão de Juristas com a finalidade de “elaborar projeto de Código Penal adequado aos ditames da Constituição de 1988 e às novas exigências de uma sociedade complexa e de risco”.
Formada a Comissão, em 18 de outubro de 2011, os trabalhos foram concluídos no curto período de oito meses, e o relatório final do anteprojeto entregue ao Presidente do Senado Federal, em 18 de junho de 2012, transformado depois no Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012. Fixou-se então exíguo calendário de tramitação, com conclusão determinada para os cinco dias úteis de 28/09 a 04/10/2012.
Quanto à forma, muitos dos seus 543 artigos ofendem a boa técnica legislativa. As normas orientadoras da parte geral contêm uma linguagem excessivamente abstrata e recheada de imprecisões sobre diversos institutos aplicáveis aos delitos, que em nada favorece o exercício exegético e a segurança jurídica. Na parte especial, a falta de clareza e de precisão predomina em muitas qualificações de condutas delitivas, além da vulgaridade que substitui a tradicional redação em alguns crimes sexuais.
À exceção de algumas audiências públicas, frequentadas notadamente por grupos de pressão – v.g. organizações de defesa dos animais e da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) –, a redação do anteprojeto não se submeteu à exaustiva análise de diversos segmentos da sociedade, nem muito menos da comunidade jurídica especializada, da voz abalizada de magistrados, de membros do Ministério Público, de advogados, de professores, de autoridades e agentes policiais. Preteriu-se até mesmo o trabalho revisional de festejados penalistas, como o fizeram, em sua época, Nelson Hungria, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira, revisores do projeto de Alcântara Machado, convertido depois no atual Código Penal. Não se deram ouvidos ao magistério da Igreja. Não se abriu o caderno de sugestões no prudente período de tempo para o amadurecimento de opiniões, dos estudos, das pesquisas e até mesmo de um plebiscito para questões vitais a milhões de brasileiros. Nem se invocou a proteção de Deus, como o fez o preâmbulo da Constituição Federal.
Também por isso, quanto ao mérito, o Anteprojeto de Reforma do Código Penal atenta gravemente, contra os mandamentos da Lei de Deus e, numa ousadia perversa, subverte a ordem hierárquica da criação, deixando de punir assassinatos abomináveis.
De fato, muitos dos artigos apresentados no Relatório Final destacam-se pela profunda falta de proporcionalidade entre crimes e penas, entre a proteção de alguns bens e a de outros, entre o que deve ser proibido e o que deve ser permitido, embora não seja esta a finalidade das normas penais senão os efeitos jurídicos que elas visam produzir por causa de sua desobediência.
Concretamente, a tipificação e a reprovação de crimes contra a pessoa e contra interesses de grupos específicos produziram verdadeiros absurdos. O crime de aborto está praticamente abolido, restando apenas a hipótese de não consentimento da gestante, efetivamente passível de punição; o crime de homicídio doloso através da eutanásia livrou-se da sanção penal sob a rubrica antinômica da piedade e o de infanticídio perdeu sua importância e gravidade a ponto de se transformar em uma banalidade, como a simples suspensão do processo. Também foram tratados com excessiva brandura outros crimes contra a pessoa, enquanto crimes contra a fauna e a flora receberam descomunal reprovação. Tomem-se, por exemplo, os crimes de omissão de socorro de criança abandonada ou de lesões corporais, cuja pena mínima é doze vezes inferior (um mês de prisão) à do crime de omissão de socorro de qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo (um ano de prisão). Outros absurdos, ademais, são encontrados no corpo de normas do malsinado Projeto de Lei.
Os brasileiros certamente ficaram estupefatos diante dessa barbárie penal, e sentir-se-ão inseguros pela facilidade com que se manipula ideologicamente o direito à vida. Vale aqui lembrar a séria advertência de José Antônio Ureta: “Quando o direito à vida de um único ser humano inocente deixa de ser garantido, a vida de todos passa a correr risco. Basta ficar incluído na categoria errada” (Revista Catolicismo, n. 698, fevereiro de 2009, p. 34).
Uma pergunta logo se impõe diante de tantos absurdos: como se explica que uma classe de intelectuais, na posição de juristas, tenha se dedicado, de maneira irracional, à construção de diferentes tipos penais carregados de fórmulas materialistas ou imanentistas? Não é difícil encontrar a resposta: os membros da Comissão de Revisão simplesmente redigiram um “código de morte” como atitude ideológica profundamente marcada pelas recomendações governamentais do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Suas injustificáveis despenalizações e descriminalizações de condutas violadoras de direitos fundamentais dão mostras inequívocas de que não há limites para o processo de transformação da sociedade, e o sistema punitivo parece ser o caminho ideal para isso. Julgam eles que as questões mais agudas do problema da criminalidade podem ser resolvidas com normas compassivas e utópicas, mesmo que, no fundo, potencializam a maldade e a indiferença com o dom sagrado da vida humana.
A responsabilidade dos nossos parlamentares, ante essa investida revolucionária, só pode ser a de rechaçar todas as propostas incompatíveis com os verdadeiros anseios da sociedade brasileira, historicamente tradicionalista, cristã, defensora dos direitos naturais que lhe são mais caros, tais como a vida, a família, a propriedade, a educação dos filhos, a segurança, a saúde etc. Não poderão os nossos legisladores aprovar um Código que fere de morte a Carta Constitucional e suas regras principiológicas protetoras daqueles direitos. Se a legislação penal constitui hoje uma profusa e complexa pletora de normas punitivas, considerada uma verdadeira “colcha de retalhos”, está ela prestes a receber um novo e definitivo remendo, que trará ainda mais insegurança e intranqüilidade no seio da população brasileira.
Peçamos à Padroeira e Rainha do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, que livre o nosso país de um código penal insano e permissivo do mal do aborto e de outras práticas atentatórias contra os direitos naturais de seus filhos, para a sua maior glória e para um futuro de paz no Brasil.



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